quinta-feira, 5 de março de 2009

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Na roda da vida

Mestre de capoeira mistura luta baiana e globalização em Nova York

Mestre João Grande: o pescador de futuros adeptos da capoeira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    Mestre João Grande: o pescador de futuros adeptos da capoeira

Gonçalo Junior

Edição Impressa 156 - Fevereiro 2009

 

Pesquisa FAPESP -  Nascido em Itagi, no interior da Bahia, João Oliveira dos Santos cresceu como lavrador e gostava de observar a movimentação dos bichos no mato – que, mais tarde, associaria à da capoeira. Órfão de mãe, sem ter frequentado escola, virou tropeiro até que num domingo, aos 20 anos, quando descansava nos degraus da igreja da cidade, um casal de mascates lhe perguntou se não gostaria de ir para Salvador. Não pensou muito e partiu com uma trouxa de roupa. Ao chegar, deparou-se com uma roda de capoeira angola e reconheceu um lance que havia visto em sua infância, sem saber do que se tratava. Curioso, perguntou a Mestre Barbosa o que era aquela dança, ele respondeu: “É capoeira”. E João recorreu ao Mestre Pastinha para ensiná-lo.

Surgia o Mestre João Grande, que, ao lado de João Pequeno, tornou-se o guardião da capoeira angola, mesma expressão pela qual era conhecido Mestre Pastinha. Destacou-se tanto na capoeira angola em Salvador a ponto de Mestre Canjiquinha, um expoente da arte, ter afirmado: “Foi Deus quem fez João Grande jogar capoeira”. Mas ele não vivia da dança, trabalhava na construção civil. Até que decidiu fazer shows folclóricos. Ingressou no Viva Bahia, o pioneiro grupo folclórico de Emília Biancardi, e viajou para a Europa e Oriente Médio, na década de 1970. Antes disso, em 1966, foi à África com Mestre Pastinha participar do Festival de Artes Negras de Dacar, no Senegal. Na década seguinte, enquanto Pastinha morria pobre e cego num cortiço do Pelourinho, João Grande trabalhava num posto de gasolina. 

O mestre não mais praticava ca­poeira quando surgiu um movimento de resgate da luta na Bahia durante a década de 1980. E ele retomou o ofício de ensinar no Forte Santo Antônio, onde já estava instalado Mestre João Pequeno. O lugar começou a ser frequentado por intelectuais norte-americanos interessados na dança, que viam como legado da diáspora africana. Foram os casos de Ken Dossar e Daniel Dawson, que o convidaram para participar do Festival de Artes Negras de Atlanta, Nova York, em 1990. Ao fim do evento, recebeu um convite de um capoeirista chamado Nego Gato para dar aulas no Harlem. Mestre João Grande aceitou e, graças a uma aluna inglesa, a professora universitária Tisch Rosen, que ele apelidou de Risadinha, conseguiu abrir sua academia, Capoeira Angola Center, na rua 14, em Manhattan. 

Hoje, aos 75 anos, Mestre João Grande pode não ser o mais conhecido capoeirista baiano, mas, talvez, nenhum tenha recebido títulos tão importantes e homenagens relevantes quanto ele. Em 1994 tornou-se doutor honoris causa pela Upsala College, de Nova Jersey. Sete anos depois, levou o National Heritage Fellowships, só para citar dois. E acaba de se tornar tema do doutorado Na roda do mundo: Mestre João Grande entre a Bahia e Nova York, defendido na USP por Maurício Barros de Castro, com orientação de José Carlos Sebe Bom Meihy. O estudo procura relacionar a globalização e o impacto da ancestral capoeira angola na moderna e cosmopolita cidade americana. O autor explica a importância das tradições no vertiginoso mundo moderno, a partir da reflexão sobre o papel da capoeira no processo histórico brasileiro, diante dos conflitos entre a ancestralidade africana e a construção da identidade nacional.

Fonte: Revista Pesquisa FAPESP

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