CAPOEIRAGEM, Zelador e Zeladoria
André Luiz Lacé
Revista Fórum Virtual
Leblon, maio de 2008
Há, obviamente, grande diferença entre a História que se aprende nas escolas de 1º grau e a que se aprende em cursos de pós-graduação. Não apenas em termos profundidade, mas, muitas vezes, em termos de revelações desassombradas.
Há também o festival de versões. A história do Índio-americano ou do Afro-americano, contada por cada um desses segmentos, não é a mesma contada pelo anglo-saxão colonizador. Afirmação que serve também para os processos de colonização no Brasil e, a bem dizer, em qualquer outra parte do mundo.
Nem a Bíblia escapa Dan Brown, com o seu Código Da Vinci, popularizou a versão, até então secretíssima, de um enamoramento com Maria Madalena. Pensando bem, por que não?
Os governos – ruim com eles, pior sem eles – especialmente os ditatoriais não fazem outra coisa. Com intervenções até no Folclore do Mundo. É isso mesmo, muita manifestação folclórica nasceu ou foi parcialmente modificada em pranchetas nos palácios governamentais. Feito o projeto é só entregá-lo ao Deus Marketing e pronto: temos mais um folclore autêntico na praça.
Em época de eleição presidencial, aqui no Brasil, os candidatos ao visitarem cada estado, cada cidade, um pouco antes, recebem um “briefing” de algum assessor “cdf”. “Briefing” que inclui o perfil das lideranças populares locais que, num segundo momento passam a ser cortejadas e cooptadas.
A Capoeiragem não ficou fora desse mecanismo político-eleitoral, líderes na capoeira foram cooptadas pelo governo da vez, preocupados em matar no berço qualquer movimento anti-governamental. Quem examinar o conteúdo das letras das chulas de capoeira, com isenção e sem patrocínio governamental ou mercantil, será obrigado a revelar que há clara diferença do passado para o presente. No passado, com toda razão, as letras eram quase sempre de protesto e reivindicação social; com a intervenção governamental as chulas ficaram idolátricas, alienadas, pobres e acomodadas. Antes, a ênfase era na sociedade, agora, graças à intervenção de governos, especialmente ditatoriais de direita (isso é grego para os novos mestres) os cantos são de “guerra”, de auto-elogios, de competição, de embranquecimento, de aburguesamento, de acomodação, enfim, de alienação que é o que mais interessa a alguns segmentos poderosos. Para disfarçar, aqui e ali, tiram pequeno percentual de verbas públicas recebidas e promovem um evento cujo ingresso é uma cesta básica para o pobre esfomeado. Pronto, olha aí o poder social da Capoeira...
Também passaram alardear – imitando o futebol, basquete, atletismo (é só olhar o Programa Iniciação Esportiva, pioneiro, criado e executado pela Fundação Roberto Marinho) – que a Capoeira salva o pivete do crime. Estão há anos faturando em cima disso, sem apresentar um pivete que tenha se recuperado. E nem poderia, pois esses programas de “salvação da pátria através da prática da capoeira”, com raras exceções, são mal elaborados e pessimamente executados.
II – O Jazz e a Capoeiragem
Já escrevi vários artigos sobre esse mote, o primeiro foi publicado em 1962!
Tema extremamente rico, estou sempre aprendendo alguma coisa mais, como no curso que tive o prazer de fazer recentemente com o Arthur Dapieve: “..........”
(O músico do jazz, afro-americano, era essencialmente nômade, sai do Sul – Mississipe, Louisiana, subia pra Chicago, Nova York), sem a preocupação de voltar ou se fixar em algum lugar. Para quê? Afastado de suas raízes africanas, aí sim, seu verdadeiro lar, não faria a menor diferença morar cada dia em uma cidade. Vejo aí alguma relação o nomadismo de alguns mestres, especialmente os que se auto-exilaram no exterior.
Outro ponto que merece mergulho mais profundo é o tal pacto na encruzilhada, da onde o guitarrista saia imbatível. Há mandinga na Capoeira que lembra essa história metafórica.
Sem esgotar as munições, involuntariamente, oferecidas pelo Dapieve, valeria a pena ainda citar o significado dos cantos. Aparentemente, as primeiras manifestações jassisticas – work-song, call street, blues etc – estavam predominantemente voltadas para a mulher; análise mais profunda revela que, muitas vezes, a mulher aparecia como algoz. Explicação simples, não podendo criticar o dono, o patrão, o seu senhor, o escravo, simbolicamente, transformava a mulher em patroa.
Coisas de mandinga...
III - O ZELADOR
Foram os ingleses que deram substancial ajuda no processo de descobrimento do jazz pelo mundo todo (Dapieve). Toda a gestação, sobretudo no Sul dos Estados Unidos, foi feita debaixo de flagrante e terrível preconceito racial. Causou grande surpresa nos Estados Unidos, quando conjunto musical inglês, muito famoso, chegou à Nova Iorque fazendo apenas uma exigência: queria ouvir um velho negro afro-americano tocar jazz.
Simplesmente ninguém sabia quem era, ficaram sabendo.
Pois muito bem, a história, com cores próprias (verde e amarela) se repete.
O cineasta inglês, Daren Bartlett, também capoeira, pegou um avião em Londres e aterrissou na Praça dos Pacificadores, no Município de Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro.
Fez esse trajeto várias vezes, idealizou um filme, tomando Mestre Russo de Caxias como fio condutor de uma história sobre a Capoeira e a Realidade Social do Mundo. Nada de fantasias, endeusamentos, mitos mercantis, egolatria, regionalismos ou corporativismo. O que não impediu momentos de lirismo e boa capoeira.
Um filme de muita visão e coragem, pois obriga todo mundo, especialmente os capoeiras, a pensar (coisa que o Capoeira não gosta de fazer preferindo viver a doce ilusão que a Capoeira manda na Sociedade, é a medida de todas as coisas, vai salvar o mundo, que é a luta mais eficaz do Mundo, que é, ao mesmo tempo, o maior folclore do mundo, e cujo reconhecimento mundial cabe exclusivamente ao grande Mestre XXXX (cada um tem o seu), um semi-deus, etc etc etc).
Daí porque alguns capoeiras saíram da pré-estréia do filme reclamando que deveria ter mais jogo de capoeira. É tudo que a maioria quer exige, daí porque a maioria dos eventos, especialmente os patrocinados por verbas públicas generosas, não passam de reunião de fanáticos louvando fantasias, muita roda e, segundo línguas viperinas, algumas vezes, muita bebida e algo mais.
O Zelador, não, o Zelador obriga todo mundo a pensar e a concluir o óbvio:
- Embora fascinante, a Capoeira está dentro da Sociedade, e não o contrário.
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